segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Lesbianismo e (r)existência: porque é importante deixar a mágoa falar.

Eu queria dormir.
Eu preciso dormir.
Mas não consigo. Preciso contar a vocês o que aconteceu agora há pouco, preciso dizer que caiu a ficha. E caiu pesado, fazendo barulho, secando de vez meus olhos.

Há pouco tempo, assumi em um dos meus perfis em rede social a minha relação atual.
É uma relação complicada, uma relação que não sei onde vai dar - mas não é sobre ela que preciso falar.

A questão é que eu me entendo como lésbica desde os 13 anos.
Foi um entendimento forçado e dolorido. Descobriram antes de eu mesma me entender, eu ainda brincava de bonecas e de repente minha vida virou um turbilhão.
Minha avozinha dizia que sempre soube. (Ah, vó, se a senhora soubesse a falta que seu colo está me fazendo agora!)

De qualquer forma, desde os 13 anos eu vivi em família a farsa do "eu finjo que não sou, você finge que não sabe".
Há algumas semanas assumi publicamente essa relação.

Hoje, estava deitada me preparando para o cochilo da tarde - que tiro com muito gosto sempre que trabalho a noite no terreiro - quando meu pai pediu licença e entrou. Disse que precisava conversar.

Daí, eu já me armei. Eu já sabia cada palavra que eu ia ouvir.
E tenho certeza que todos que passaram e passam por essa situação sabem também.

Eu só queria dizer que cheguei ao ponto em não me importo mais.
Estou tão cansada das lágrimas dos outros, das limitações dos outros - sempre relegando as minhas próprias!

"Sua mãe teve uma criação difícil", "é difícil pra gente": eu não me importo.
Durante muito tempo me importei, mas agora estou tão calejada que posso ouvir essas frases durante horas como se eu não estivesse ali.

Foram muitas noites chorando sozinha, muitas dúvidas que nunca pude tirar com ninguém, muitos colos que me negaram, muitos "vista-se do que eu quero que você aparente"... Foram tantas situações que eu superei sozinha, foram tantas as vezes que fui eu mesma os pais que minhas amigas sempre tiveram, que agora... Não faz mais diferença.

"Quero que você esteja bem": eu não estou. E vai levar muito tempo para eu estar. Vai levar muito tempo pra que eu possa finalmente olhar pras pessoas e conseguir dizer o que eu realmente quero. Vai levar muito tempo pra que eu não precise escrever num blog por não conseguir verbalizar as coisas que sinto e penso olhando nos olhos do meu interlocutor.

A diferença agora é que eu descobri, não sem dor, que não preciso do colo de quem sempre esteve distante. A diferença é que agora eu tô tão bem resolvida comigo, tão consciente das minhas limitações e dos meus desafios, que prefiro seguir sozinha.

O abraço ao final foi desprovido de sentimento (da minha parte), porque agora eu não preciso da aceitação de ninguém. Eu não procuro aprovação.
Eu olho pra mim e vejo uma jovem cheia de dúvidas, com muitos medos, com muitas inseguranças, com muitas feridas - algumas cicatrizadas, algumas em processo de cura, mas a maior parte em carne viva.
Tem dias que eu saio do trabalho e não quero voltar pra casa. Tem dias que sorrir é penoso. Tem dias que não quero abraço, não quero palavra.
Eu tenho consciência de que preciso trabalhar muitas coisas em mim.

Eu entendo que é muito fácil dizer "eu acredito em você" quando as maiores provas já passaram.

Então... Eu não perdoo. Não perdoo as noites que perdi, nem as noites mal dormidas. Não perdoo as lágrimas que marcaram a minha adolescência, não perdoo os dilemas que passei sozinha.
E digo isso com muita tristeza, porque eu queria perdoar.

Se você esbarrou nessa página e chegou ao final dessa postagem e está na fase em que tudo é tão mais díficil, em que tudo é tão dolorido e que você precisa ser seu próprio apoio, eu te digo com todo o amor do mundo: uma hora passa.
Passa de um jeito ou de outro.
Mas passa.

Se você esbarrou nessa página e chegou ao final dessa postagem e é pai ou mãe de homo/bi/trans, eu te peço: não deixe acontecer com vocês. É dolorido demais não se importar, não é fácil não se importar - pras duas partes.
Salve essa relação enquanto é tempo. Mas, por favor, saiba: a vida dos filhos NÃO É SOBRE VOCÊS.

Ah e pros meus pais (caso esbarrem também nesse canto tão meu): eu ainda amo vocês.

(Taboão da Serra)