quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Das coisas que eu acho maravilhosas.

Folgar na quarta-feira, eu acho lindo.
Receber fotos da minha sobrinha do coração pelo WhatsApp então, nem se fala.
Acordar às 11h e espreguiçar bem gostoso e ter o resto do dia pra não fazer absolutamente nada.
Ouvir de uma senhora de 85 anos que eu sou um anjo, da moça sorridente que trabalha na padaria que meu cabelo está lindo, de uma companheira que o que importa pra ela é que eu esteja viva.
Sentir o sol queimando o asfalto e refletindo o calor no meu corpo.
O miado dos gatos aqui de casa.
O cheiro de hortelã.

As cores nas minhas saias de patchwork.
O vento jogando meu cabelo pra frente do meu rosto e o som da minha própria risada quando eu estou feliz.
O frio na barriga de não saber o que vai ser daqui uma semana.
Essa certeza de que a vida é uma viagem muito louca.
A expressão de espanto no rosto de um machista quando eu respondo a uma ofensa.

A sensação de que eu sou forte o suficiente pra peitar o mundo.
Aquele abraço que é como voltar pra casa.
O mar.

O cheiro do mar.
Incenso.

Chiclete de canela.
Bala de canela.
Batom vermelho.
Música cigana.

Declarações de amor inesperadas.
Liberdade.
Cheiro de livro novo.
Cheiro de livro velho.
Cheiro de livro.


Eu.

(Taboão da Serra)

A grama do meu jardim.

Eu sempre enchi a boca pra falar: "não gosto de pelos", "é sujo", "é nojento" e "é feio, em homem e em mulher". Mas eu realmente acreditava nisso?
Veja bem, eu fui treinada. Aos doze anos, me ensinaram que bonito mesmo é corpo sem pelo.
Que eu precisava tirar todos os eles. Que meu corpo deveria ser infantilizado - corpos de meninas não tem pelos.
É claro que ninguém me disse que não diziam isso pros meninos também.
Então, aos vinte anos, eu realmente achava que não gostava de pelos, que eram sujos.
Me ensinaram. Que pelo é coisa de homem. Que pelo, em corpo de mulher, é anti-higiênico.

Há algumas semanas, tive um insight: queria conhecer a Bárbara. Não a Bárbara-mulher-que-usa-saias-e-vestidos-e-gosta-de-cor-de-rosa. Queria olhar bem na cara da Bárbara-ser-humano, a Bárbara-indivíduo.

Já tinha tentado uma vez e desistido. O julgamento, inclusive dentro de casa, foi pesado. Mas jurei pra mim que dessa vez eu iria até o fim.
Há algumas semanas, eu não deixo pinças, ceras, navalhas e giletes se aproximarem do meu corpo. Está sendo absolutamente libertador.

E é um desafio. Todo dia é um desafio.
Deixá-los crescer foi o menor dos problemas. A minha maior tarefa foi aprender a gostar deles, a ver beleza.

Todo dia é um gritar pra sociedade que eu existo como ser pensante, como ser de opinião.
Gostar dos meus pelos é uma afronta ao heteropatriarcado. É uma coisa que eu exercito todos os dias: eu acordo e me observo e me obrigo a ver beleza em mim do jeito que eu (e)s(t)ou - me faço olhar pro meu corpo todos os dias e dizer: "você é linda".
Então, é como se eu botasse o dedo na cara do machismo e dissesse: "não engulo mais essa sua cagação de regra pra cima desse corpo que é só meu."
É um ato político. Todo dia na minha vida é um ato político.

Corpo de menina não tem pelos. Corpo de mulher, sim.

Descobri a quantidade de tempo e de dinheiro que eu gastava com isso.
Descobri que sou bonita de qualquer forma.
Descobri que a presença deles não interfere de forma alguma na minha vida sexual. (Aliás, descobri que se alguém deixa de transar comigo por causa deles não estou perdendo nada.)

Eu posso olhar no espelho e sorrir. Eu tenho 1,61 m, peso 68 kg e tenho pelos pelo corpo inteiro, porque pessoas tem pelos. TODAS as pessoas tem pelos.

Hoje, se eu decidir me depilar, posso dizer que foi porque eu realmente quis. Porque eu cansei dos pelos. Porque eu descobri que acho feio.
Mas um "porque eu" de verdade. E não um "porque a sociedade" disfarçado de minha opinião.

(Taboão da Serra)

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Contar o amor. Florear.

Acontece que eu não sou boa em escrever histórias de amor.
Eu queria muito conseguir, mas sempre que tento meter meus sentimentos dentro desse padrão eles vazam pelas beiradas e escorrem pelo chão, mancham tudo em volta e por um segundo eu penso que eu sou tão estranha por não sentir da forma como todos são condicionados.

Nasci assim, pássaro solto.

Adoro pousar. Adoro ficar.
Mas adoro ser livre pra partir.
E pra voltar também - pra ir embora de uma vez por todas, só pra ser acolhida de novo daqui a pouco.

Tudo aqui é tão extremo, alegria e tristeza, que bota medo nos incautos.

Sinto muito se não sei ser doce o tempo inteiro - ou talvez eu não sinta.
A vida me fez como café: às vezes amarga e forte, às vezes doce e fraca: aguada.


A história de amor que ela me pediu não vai sair.
Escrevi três parágrafos, mas como descrever sentimentos tão meus como fossem de outrem?
Como contar que o tempo parou quando olhei praqueles olhos escuros e profundos? Que me viciei neles durante os meses seguintes?
Não sei.
Só sei que aquela história de amor que ela me pediu não vai sair.
Não vai sair de mim pro papel. Não vai sair de nós pra vida.

Acho que vai virar poesia. Virou.

(Taboão da Serra)

domingo, 5 de outubro de 2014

Divagações.

Engraçado como uma coisa leva à outra.
E de repente você está fazendo uma viagem pelas memórias.

Essa caneca de chá de hortelã fumegante, sem açúcar, me lembra o cheiro de baunilha e de shampoo novo no cabelo de uma das minhas companheiras.
O cobertor que protege meus pés frios me lembra a minha avó e sua voz desafinada cantando antigas canções em uma tarde gelada. E eu brincando de boneca.
A reeleição do governador me deixa arrepiada. Posso ouvir o barulho do choque avançando. Os gritos dos companheiros. E de ter soltado, sem notar, o braço de uma delas na confusão.
E lembrar a confusão e a correria e os gritos e o cheiro do gás me estampa um sorriso enorme na cara por saber a nossa força.
E saber a nossa força me faz pensar pensar nos sete companheiros que nós precisamos (e vamos!) trazer de volta. E nos que já voltaram pra nós, que já voltaram pra casa.
Tudo isso é o que me faz.
E tudo isso me faz querer continuar amanhã. Dar a cara a tapa sabendo que vai doer. Mas que depois de doer e de chorar, eu vou seguir.

Sei lá, só estou divagando. Um beijo procês.

(Taboão da Serra)