segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Pode sim: fraquejar.

Alguém que eu amo está morrendo.
Alguém que eu aprendi a amar de forma tão fácil que me assusta pensar que ela pode deixar de existir nesse plano de uma hora pra outra.

O coração dela está inchado, machucado. Todo o possível está sendo feito pra que ela não vá - confio nos homens de branco e confio nos pretos-velhos, nos caboclos, nos baianos.
Mas é fato que ela está, por enquanto, por um fio. É doloroso admitir. É difícil aceitar.

Lembro a primeira vez que os nossos olhos se cruzaram assim, bem no horário de pico, na estação Santa Cruz do Metrô de SP.
Os olhos mais profundos do mundo. Um poço em que eu me afundei dali pra frente.
Levou tempo pra que as coisas se encaixassem. Ela com as feridas dela pra curar, eu com as minhas - a gente se sabia, mas não era a hora de se ter assim na vida uma da outra.
Algumas tentativas frustradas, deixamos pra lá por um tempo.
Até que não sei como, estávamos juntas. Nos vendo todos os dias. Conversando sobre tudo, falando sobre nada. Rindo e chorando.

Se eu precisasse estipular o tempo diria que levei um mês pra amar essa mulher com todas as minhas forças.
Quando eu percebi, já tinha ido. Ela já era minha companheira, minha melhor amiga.
E quando eu percebi, ela percebeu que eu tinha percebido porque nunca fui boa em esconder as coisas dela.

Um tempo atrás, brigamos feio. Mas isso não é demais, porque nós sempre brigamos... Todos os dias, o dia todo, só pra poder fazer as pazes.
Só que, dessa vez, quando fizemos as pazes ela me contou que o coração dela estava maior que o normal.
Não quero dar detalhes técnicos, eu não sei os termos médicos para o que está acontecendo.

Só sei que ela pode ir embora. E que hoje é o aniversário dela.
Então, nesse aniversário, eu gostaria de dizer:

Querida, você pode ser fraca. Você pode chorar, você pode querer desistir. Você pode perder a fé.
Eu não vou te julgar.
Não vou te julgar se você optar por desistir desse tratamento. Muito pelo contrário, estarei segurando a sua mão em todos os momentos em que você precisar de mim por perto.
Ninguém diz pra gente que a gente pode desistir, e chorar, e machucar os joelhos, e machucar os sentimentos, e sangrar, e não querer sair da cama.
Eu vim te dizer: não tenha medo de fraquejar. Os meus joelhos estão esfolados mas eu aguento por nós duas.
Querem tanto vender a ideia da persistência que não percebem que persistir cansa. E eu sei, amor, que você está cansada e quer beber mais água e colocar mais sal na comida. Eu sei que você adora bacon e peço desculpa por ter sido tão egoísta e ter dito que você é infantil - eu só não queria te perder.
Eu pensei muito sobre isso de perder. Eu tô sempre falando de liberdade, de libertação, e acabei tropeçando nessa pedra: a gente só sente que perde quando acredita que algo é nossa propriedade.
Você está sofrendo e eu te amo demais pra pedir que você continue contra a sua vontade só porque sou mais feliz com você aqui.
Se você quiser desistir, eu te apoio. Se eu surtar, prometo não fazê-lo na sua frente.
Se você preferir seguir lutando, eu prometo te ajudar a lavar os cabelos enquanto estiver tudo tão difícil e dolorido como agora, que cada movimento do seu corpo se tornou uma batalha.
Sabe o pequeno príncipe? Você é o meu.

(Taboão da Serra)