quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Pedido de socorro.

Já li, por vontade própria, todo o tipo de coisa.
Li, por gosto, "Senhora' umas cinco vezes e conheço também muitos livros do Machado de Assis.
Li C.S. Lewis de "As Crônicas de Nárnia" a "Cartas de um Diabo a seu Aprendiz".

Sei, de cor e de coração, trechos da Bíblia.
Estudei Marx e Engels na faculdade de Direito, mas também conheço todos os contos de fadas que vocês imaginarem...
Assisti a todos os episódios de "Xena, a Princesa Guerreira", já toquei violino e dancei ballet, jazz e dança do ventre.

Sou "de humanas", mas os anos de Kumon me permitem fazer contas com rapidez e eficiência.
Tenho uma religião em que acredito com todas as (poucas) forças que eu tenho, mas conheço um pouco de cada outra que existe no mundo.
Adoro estudar e odeio a academia - que um dia eu possa estudar sem ter um motivo concreto para fazê-lo. Queria estudar Letras sem pensar que é pra "ser professora daqui uns anos", assim como queria ser doula pelo simples fato de cuidar de outra pessoa com um amor incondicional que me explode no peito.
Tô numa crise que tá difícil superar, não vou mentir pra vocês. Sendo muito sincera, esse papo de "um dia de cada vez" dos grupos de apoio é muito bonito, mas muito difícil de viver.
Vocês não sabem o que é depressão, galera. Vocês, que não vivem, não tem noção!
A balança diz que eu emagreci mais de cinco quilos em um mês, mas eu olho pro espelho e me acho gorda que dói. (Há um tempo atrás, estar/ser gorda não era um problema pra mim.)
Tô bonita nas fotos, tô rindo, mas aqui dentro é "um segundo de cada vez" e às vezes respirar dói. O coração fica pequenininho.
Por favor, gente, não diminuam uma dor que vocês não conhecem. Depressão não é frescura, não é brincadeira. Deem suporte, deem amor, porque a gente precisa e o mundo não perdoa.
Quando se tem depressão, você não se acha feia, se acha a pessoa mais horrenda no mundo.
Não se acha burra, se acha a pessoa mais imbecil do mundo.
A gente deixa de se amar e quando a gente não se ama tudo desanda.
É difícil ter depressão e ser jovem. É difícil ter depressão e ser mulher. É difícil ter depressão e ser lésbica. É tão difícil que às vezes eu não saio da cama.
Imagina como seria se eu fosse negra e pobre? Eu não consigo imaginar.
Eu tenho e sempre tive o melhor que minha família pode me dar. O melhor colégio, o melhor cursinho, as melhores faculdades (ainda que eu não tenha terminado nenhuma). Sei (e eu sei que sei) falar sobre qualquer assunto. E é um peso saber. É peso porque é como fracassar.
Mas eu sei que estou doente e que vou melhorar. Eu conheço as pessoas que estão comigo e sei que, ainda que ninguém possa me impedir de me machucar na vida, tenho muitas mãos pra fazer curativos e muitas bocas para fazer orações por mim.


É um pedido, é um desabafo.
Não deixem a gente sozinha. Não nos apontem nossas falhas porque a gente conhece todas elas mais que qualquer um de vocês!


(São Paulo, 20 de agosto de 2015)

Penicilina.

Oi, vó.
Hoje não foi um dia dos bons. É certo que, no últimos tempos, tenho pensado muito em você. Aperta tanto, vó, que o coração fica pequenininho.
Tô aqui deitada, com o cobertor que era seu, depois de reler e reler e reler o caderno que você sempre disse que chegaria até mim quando você fosse embora. Você foi, ele veio - obrigada por não deixar de cumprir suas promessas.

Tocar nesse caderno que você pegou tantas vezes, ler seu português simples, encontrar sua fé - nossa fé - nas palavras escritas aqui... É uma forma de me lembrar sempre que eu não estou sozinha porque tem tanto amor nos ligando, meu Deus, que solidão não tem espaço no meu mundo.

Vó, hoje reli a parte em que você conta como a guerra lá na Europa afetou o sertão paulista.

Queria te contar que percebi nas suas palavras que não se pode comparar as dores nossas com as dos outros.
Não caiu bomba no seu sertãozinho, vó, mas teve sofrimento e eu consigo entender.

Não deixo nunca de me surpreender com a sabedoria da sua singeleza. Que eu tenha 10% de você em mim, e já será muito, e talvez eu não mereça.
Mas, depois de divagar tanto, a certeza com que eu me recolho pra dormir é uma: se penicilina curasse a saudade, hoje eu não dispensaria a minha dose.

Com todo amor e gratidão do mundo,
Sua neta.

(Taboão da Serra, 19 de maio de 2015)