segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Quero falar sobre libertação.

A sociedade nos impõe muitas coisas. Nos grita que, aos dezoito, já devemos ter maturidade suficiente para decidir o que faremos pelos próximos 50 anos, mas nos anula, na mesma idade, em diversos outros aspectos – como conhecer a própria identidade de gênero ou orientação sexual.


Aos dezoito, eu escolhi. E eu fracassei.
E agora tá tudo bagunçado, tá tudo dolorido.
Me embalei em sonhos que não eram de todo meus e voltar a mim está sendo custoso. Dói.
Dói porque é como se eu não me conhecesse. Dói porque é como se eu fosse ingrata por ter deixado (ou feito) meus pais investirem tanto em mim pra não devolver a eles uma filha advogada. Dói por me ver exatamente assim: um investimento que traria lucros em longo prazo.
Dói por eu ter consciência de que nós não pertencemos a nós mesmos.
Cheguei à conclusão de que todos somos mais ou menos como uma colônia. E eu sou uma colônia travando a sua guerra de independência contra um país opressor.
Meus pais são o meu país opressor, mas às vezes acredito que eles não têm consciência de que estão oprimindo. (Ou eu prefiro pensar assim – por favor, me deixe sonhar!).

Eu fracassei, mas não me entreguei ao fracasso. Confesso que há dias em que eu não quero sair da cama. Eu acordo e quero chorar, então durmo de novo pra não doer. Pra enganar.
Mas não me entreguei. Tô na luta, vou atrás do meu sonho. Mesmo que meu sonho de ser professora me pague muito menos do que o sonho deles de ter uma filha advogada. Ou que a minha realidade de metroviária.
Porque sonhos, assim, não tem preço. Não deveriam ter.

Conquistar essa terra árida de “mim-mesma” não está sendo fácil. Não está sendo simples.
Conquistar a dor e senti-la inteira, tomar posse de si mesmo – com todas as mágoas, com todas as lembranças, com todas as alegrias – é trabalhoso. É um passo de cada vez. É um dia, depois o outro e o seguinte a gente vê depois.
E parte disso é assumir: eu fracassei perante a sociedade. Por seguir a risca os seus padrões, estou infeliz.
Estou infeliz porque vivi e propaguei muitas ideias tortas dessa cultura maldita durante tanto tempo da minha vida.

Sou fracassada:
Não quero um corpo sarado, muito menos quero ser magra – engula isso, sociedade.
Arrumar um homem que me banque e me considere uma propriedade não é um objetivo da minha vida. Aliás, não quero homem - lésbica que sou. Mas mais que isso (livre de gênero):
 eu não quero algemas, quero amor: acredite, nunca foi um desejo dessa colônia deixar um país opressor para quedar sob o julgo de outro.
Tenho vinte e um anos e não faço ideia do que fazer daqui pra frente. E, se for levar em conta a expectativa de vida no Brasil, ainda tenho uns 58 anos pela frente.


Queria muito cultivar um jardim.
Acho que vou florir.


(Taboão da Serra)

Nenhum comentário:

Postar um comentário