terça-feira, 30 de setembro de 2014

Da laranjeira.

Oi, amor.

Já faz algum tempo que não te dedico as minhas linhas que nem sei por onde começar. Pensei que não faria isso nunca mais.

Não vai ser um texto poético. Não estou me preocupando em embelezá-lo.

É que, amor, aconteceu uma coisa e eu queria te contar: eu senti uma necessidade extrema de escrever para outra pessoa.
Mas como eu poderia dedicar minhas palavras-sentimentos a outra se não me deixei despedir de ti?
Não deu.

Preciso falar sobre minha impossibilidade de ouvir Cícero sem lembrar de uma manhã em que você pediu que eu não me mexesse porque a luz que vinha do corredor me deixava tão bonita. Você disse que podia morrer ali.
Preciso falar que, quando você me deixou, eu senti uma solidão tão grande que engoliu tudo à minha volta e que todas as noites quando eu saía do trabalho sentia vontade de chorar porque queria voltar pra casa e não pra São Bernardo do Campo, que foi onde me escondi pra me reconstruir. E sobre como esse esconderijo, essa solidão, começou a me consumir lentamente a ponto de me deixar prostrada na cama sentindo que todos os dias eram domingos sem planos. Sobre como isso me fez mal.
Preciso te contar como minha irmã me salvou, me botou de volta dentro da casa dos meus pais e me obrigou a encarar a realidade: vinte e um anos, uma profissão que não era a que eu queria e nenhum objetivo a ser alcançado.

Sei que você não acredita, mas meus guias me deram uma lição no último final de semana. Na noite de sexta-feira, quando cheguei do terreiro, comecei a passar muito mal. Doía tudo e eu vomitei a noite inteira. Sábado, meu corpo estava gritando e eu tive febre.
Então, mais uma vez, eles me reergueram. Às vezes, a gente precisa mesmo é de um chacoalhão pra acordar pra vida.

No domingo, acordei vazia de você, mas cheia de mim. Com um amor imenso pra dar e palavras na ponta da língua para dedicar a outras pessoas.

Eu não vou te esquecer. Você me deu os dois meses mais loucos da minha vida. Os mais intensos, os que mais me tiraram de mim. Eu respirei você e meu sangue, eu tenho certeza, era o mesmo que corria nas suas veias.
Eu sei que parece que não, que eu sou tão difícil de me entregar e demonstrar sentimentos quando não estão escritos que fica difícil acreditar em mim.
Mas durante esses dois meses eu fui absolutamente sua, sem nenhuma vergonha de dizê-lo.
Sinto muito por não conseguir ser desinibida como você esperava que eu fosse.

No sábado, pela primeira vez, olhei pra uma foto de nós duas sem sentir dor.
Abri todos os arquivos de vídeo em que você aparecia, inclusive aquele da primeira vez em que saí com as crianças, sem sentir vontade de me afundar.
Senti um calorzinho de saudade. Fiquei absurdamente feliz por ter dividido com vocês aqueles momentos.

Lembro os nossos planos. A nossa casinha no mato, mas não tão longe da cidade. Os filhos que teríamos em alguns anos.
Você foi minha felicidade e é o passado mais bonito que eu jamais poderia sonhar ter.

Amor, eu sempre te chamarei assim. Nossos caminhos estão entrelaçados demais para ser diferente.
E mesmo que não nos vejamos mais, toda a vez que eu ouvir "Vagalumes Cegos" lembrarei que você está comigo.

As minhas próximas palavras não serão suas. Talvez eu nunca mais as dedique a você.
Mas preciso que você saiba e que, por favor, não se esqueça: eu também podia morrer ali.


Com todo o amor e desapego do mundo,

                                                                  Laranjeira.

(Taboão da Serra)

Um comentário:

  1. Você é tão profunda que te confundo comigo, confundo seus sentimentos com os meus, e a sua forma de escrever com a minha.
    Sinta sempre assim, a lá "vermelho-puta", vibrante e triste, pois assim nossas obras ficam mais bonitas, e elas choram.
    Signos complementares, não?

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