segunda-feira, 9 de abril de 2018

Ano 04

Eu escrevo para me entender e também para me conectar com as pessoas, porque não sou muito boa com relações em geral. A minha história me faz ter dificuldade de estabelecer vínculos, porque eu fui traída, humilhada e perseguida por alguém em quem eu confiei quando era ainda uma criança.
Eu escrevo para aliviar a dor e o cansaço e, às vezes, porque é a única coisa que me resta.
Mas eu escrevo, principalmente, para me conectar com ela. Que me ensinou o poder da palavra escrita como alívio terapêutico. Que me ensinou o poder da oração como remédio. Que me ensinou o poder do amor como refúgio.
Hoje se completa o quarto ano sem ela e não vou mentir que é fácil, porque não é. O tempo não cura e não ameniza, apenas tira a ausência do centro das atenções. Nos meus piores dias, a única coisa que eu podia fazer era enfiar o rosto no travesseiro e gritar, chorando, implorando que quem quer que controlasse a vida me levasse pra junto dela.
Eu quase morri algumas vezes. E em cada recuperação, ela me dizia que era porque Deus tinha me dado uma missão, que eu continuava viva porque era um instrumento divino na Terra e que eu adoecia porque o Mal tentava me derrubar. Quando entrei em depressão, eu sempre pedia que Deus me tirasse do sofrimento, mas sempre soube que aquilo ia passar porque, qualquer que fosse a minha missão, ainda não tinha sido cumprida.
Mas esse texto não é sobre fé, é sobre amor. O amor que aceita qualquer coisa. O amor de uma avó católica de 80 anos pela neta lésbica, umbandista e levemente disfuncional.
Dona Adélia, que era humana e que tinha defeitos, que errou tanto como todos nós, me ensinou que o amor é continuar amando apesar de não concordar com as decisões de quem se ama. Que o amor é continuar cuidando quando o mundo bater em quem você ama - porque todo mundo vai apanhar da vida algum dia. "O mundo é ruim", ela me disse uma vez. Então por que não sermos a bondade que queremos encontrar nos outros?
Eu queria que ela visse onde estou, quem eu me tornei apesar das minhas dores e por causa delas. Mas ela se foi há quatro anos e uma das últimas coisas que eu soube que ela disse para a enfermagem antes de entrar em cirurgia foi: "as minhas netas são a minha dádiva".
Não, vó... Você foi a nossa, sempre será.


(23 de fevereiro de 2018, no Facebook)



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