segunda-feira, 9 de abril de 2018

Humanizar

Desde que eu fiz o curso de doula, trabalho todos os dias para agir de forma mais empática, resiliente e acolhedora. Eu fiz o curso porque acredito nesses valores. Eu fiz o curso porque vivemos em uma sociedade que nos massacra dia após dia e eu gostaria que, pelo menos ao nascer, todos nós fossemos respeitados.
Eu me afastei do movimento de humanização por perceber que é, sim, um movimento elitista. É, sim, um movimento predominantemente branco, hetero e classe média alta. É fácil ser humanizado no Santa Joana, no São Luiz, pagando 10 mil reais... E aqui na periferia?
Eu concordo que as doulas cobrem pelo seu serviço, nada mais justo. Mas eu me recuso a levantar essa bandeira linda e brilhante enquanto no Hospital Campo Limpo, pertinho aqui de casa, tem mulher com quem nunca ninguém conversou sobre trabalho de parto - que nunca ninguém trabalhou o psicológico dela para encarar a viagem que é o parto normal - pedindo anestesia e ouvindo que "não pediu anestesia quando tava fazendo né?".
Já que eu não trabalho como doula, decidi humanizar em todo lugar que eu puder. Decidi humanizar no mercado, no ponto de ônibus, no meu trabalho. Que todo lugar por que eu passe seja um pouquinho mais acolhedor, que toda pessoa com quem eu converse vá embora se sentindo importante.
Mas tem dia que não dá pra acreditar... Tem dia que a realidade se esfrega bem no nosso nariz e diz "humaniza aqui, sua otária" e aponta pra podridão do mundo e a gente se sente inútil.
Hoje no Metrô eu atendi uma gestante. "Eu tô de 9 meses", ela disse. "É o primeiro. Um menino." Eu pedi o documento dela para preencher nossa ficha de primeiros socorros.
13 anos. Ela tinha 13 anos.
Eu fui com ela ao banheiro e ela não sabia nem colocar um absorvente direito. Ela devia estar brincando de boneca!
Enquanto nós esperávamos a viatura e eu tentava cronometrar as contrações, ela começou a chorar. Apertava as mãozinhas e tentava não resmungar. Eu falei que ela podia chorar e gritar e xingar se quisesse. Brinquei que se não fosse muito forte, ela podia até me bater. Ela riu no meio do choro e o rapaz que estava com ela disse: "você devia ser enfermeira... lá no hospital disseram que se na hora ela gritasse iam largar ela lá sozinha". 13 anos. Negra. Grávida de um abuso.
Vem humanizar aqui no Capão... Vem vocês humanizar aqui porque hoje eu não tô dando conta.


(13 de agosto de 2017, no Facebook)

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